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sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Conteúdo, prática didático-pedagógica ou o terceiro caminho na formação de professores no Brasil
Cicinato Azevedo do Carmo




SAVIANI, Dermeval. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. In: Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 14, n. 40, p. 143-155, jan./abr. 2009. Disponível em: < http://bit.ly/1Ab0O7W>. Acesso em: 12 nov. 2014.



            A formação docente é matéria de política pública e tema recorrente nas pesquisas acadêmicas no Brasil, exigindo respostas que se aproximem das diversas realidades educacionais encontradas no país. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) regulamentou, após alteração ao texto original pela Lei 12.014/09, os fundamentos da formação dos profissionais da educação em três pilares: sólida formação nos conhecimentos científicos e sociais necessários para o exercício da profissão, associação entre teoria e prática e aproveitamento de experiências adquiridas em instituições de ensino e outras atividades. A regulamentação da formação docente nos moldes propostos, no entanto, não solucionou o dilema histórico dos cursos de licenciatura e de Pedagogia no Brasil, a saber: formação com foco no conteúdo disciplinar específico com pouco espaço para os aspectos didático-pedagógicos (Gatti: 2010) ou formação com ênfase na prática docente e esvaziada de conhecimento geral e específico.

O dilema instaurado entre conteúdo e forma, ou seja, entre uma formação conteudista e uma formação prática, é explorado por Dermeval Saviani no artigo Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro (2009). Neste texto, Saviani faz um percurso pela história, indo do Brasil Império até as políticas neoliberais do governo Fernando Henrique Cardoso, e situa o problema da formação de professores nas esferas da política educacional nacional e dos modelos de formação docente adotados. A partir desta contextualização, o autor propõe a superação deste dilema e aponta um “caminho prático e objetivo” que recuperaria a ligação intrínseca ao ato docente entre a forma e o conteúdo nos cursos de formação de professores. Ainda sobre este assunto, Saviani discorre sobre a formação de professores para a Educação Especial dentro do contexto educacional instaurado pós-LDB 9.394/96, em particular, após a promulgação das resoluções CNE/CEB n. 17/2001 e CNE/CP 1/2006.

            Resultado de um trabalho apresentado na 31ª. Reunião Anual da ANPEd, em 2008, o artigo inicia-se traçando as origens da institucionalização da formação docente na França no último decênio do século dezoito com a criação da Escola Normal e da Escola Normal Superior. Esta última formava professores para atuar no ensino secundário e transformou-se, de fato, em uma instituição de estudos superiores, desvinculando-se das preocupações didático-pedagógicas intrínsecas ao ato docente. O modelo francês normalista de formação de professores seria adotado por diversos países da Europa e também pelo Brasil de D. Pedro II.

            Após situar os aspectos históricos da formação de professores, Saviani debruça-se sobre contexto brasileiro e identifica seis períodos distintos de política educacional voltada para a questão da formação docente. O primeiro destes períodos é, na realidade, um momento de tentativas de institucionalização da formação docente. Este momento foi, inicialmente, marcado pela promulgação da Lei das Escolas de Primeiras Letras (1827) e, sete anos mais tarde, pelo Ato Adicional, que tornou a instrução primária responsabilidade das províncias, possibilitando, assim, a criação das primeiras Escolas Normais no país. Estas, no entanto, não gozavam de estabilidade institucional e dependiam dos interesses políticos provinciais para a sua manutenção. Quanto aos seus fins, as Escolas Normais visavam à formação de professores para o ensino primário e, embora suas orientações fossem para as preocupações didático-pedagógicas, a formação de seus professores era baseada, na prática, na aquisição dos conhecimentos gerais e específicos. Nesta separação entre a forma e o conteúdo reside o problema na formação de professores no Brasil.

            O período subsequente vê o estabelecimento e a expansão das Escolas Normais no país. A reforma da instrução pública no estado de São Paulo, regulamentada com a publicação do decreto n. 27, de 12 de março de 1890, apresentou uma preocupação com a formação de professores bem preparados para o exercício da profissão, determinando que ela deveria basear-se no enriquecimento dos conteúdos curriculares e nos exercícios práticos de ensino. Embora apontasse para a necessidade de uma ênfase nas questões didático-pedagógicas, a sua realização adotou um caráter conteudista, de sobreposição da cultura geral e conhecimentos específicos em relação às práticas de sala de aula. Na tentativa de superar esta deficiência, Anísio Teixeira implantou, em 1932, o primeiro Instituto de Educação do Rio de Janeiro, reorganizando o Ensino Normal e transpondo-o para o plano universitário. Tal modificação visava a superar as limitações do modelo anterior e fornecer uma formação adequada de professores para o ensino primário e secundário por meio de um sólido preparo cultural e técnico, orientado para a formação profissional. Nas palavras de Saviani (2009:146) “Caminhava-se, pois, decisivamente rumo à consolidação do modelo pedagógico-didático de formação docente”. Contudo, a elevação dos institutos de educação ao nível universitário e a organização dos cursos de licenciatura e de Pedagogia, em 1939, implicaram em um distanciamento das práticas pedagógicas na formação profissional docente. Mais uma vez, a política educacional do país atribuiu um caráter secundário à formação em sala de aula e reforçou a predominância dos conteúdos culturais-cognitivos. Os dois períodos subsequentes, a substituição da Escola Normal pela habilitação específica de Magistério em 1971, e a criação dos Institutos Superiores de Educação e das Escolas Normais Superiores no ano de 1996, não equacionaram o problema da formação de professores no Brasil. Pelo contrário, Saviani (2009:148) afirma que eles mantiveram a ênfase na formação conteudista, nivelaram por baixo as políticas formativas e não conseguiram estabelecer um padrão “minimamente consistente” que formasse professores capazes de atuar nas diversas realidades escolares do país.

            O quadro histórico descrito por Saviani é ampliado pela distinção entre o modelo de formação conteudista, orientado para a aquisição dos conhecimentos disciplinares específicos e de cultura geral, e o modelo pedagógico-didático, que visa ao preparo do professor para as situações cotidianas de sala de aula. No Brasil, a universidade priorizou o primeiro modelo. Ela deixou a cargo das diversas faculdades e institutos a formação específica profissional e a devida complementação didático-pedagógica para as Faculdades de Educação.

Esta separação de conhecimentos contribuiu para acentuar o dilema existente na formação de professores. Como superar este dilema? Saviani aponta uma saída sem que a estrutura atual seja modifica em sua base: o livro didático. Para ele, o livro didático apontaria para a conciliação dos modelos atuais porque, de certa forma e apesar das suas limitações, ele articula em si os conhecimentos disciplinares especializados e as orientações didático-pedagógicas do ato docente. A análise dos livros didáticos nos cursos de formação de professores permitiria compreender a complexidade dos currículos escolares e a articulação entre a forma e o conteúdo, servindo de ponto de partida para a reformulação dos cursos de licenciatura e de Pedagogia. Saviani defende seu posicionamento ao afirmar que é o livro didático “que, geralmente de forma acrítica, dá forma prática à teoria pedagógica nas suas diferentes versões”, refletindo as mudanças teóricas educacionais dos momentos históricos.

Se esta é uma solução definitiva para Saviani? Certamente que não. Ele sugere ainda que profissionais das Faculdades de Educação e das diversas unidades acadêmicas organizem-se em grupos de ensino como forma de superar a compartimentalização disciplinar e dar um novo formato aos cursos de licenciatura. Uma política nacional de valorização do magistério com melhores condições de trabalho, melhores salários e jornada de trabalho reduzida também são apontados como fatores de superação do problema da formação de professores no país. Em sua defesa por uma formação consistente, Saviani não deixa de fora a Educação Especial. Em suas palavras, os decretos do Conselho Nacional de Educação n. CNE/CEB 17/2001 e CNE/CP 1/2006 representaram um retrocesso ao secundarizar a questão dos alunos com necessidades especiais no currículo dos cursos de Pedagogia. Para ele, é urgente que seja criado um espaço específico para cuidar da formação dos professores de Educação Especial ou esta modalidade continuará negligenciada na prática. É mister, enfim, que a educação seja tratada em sua complexidade como eixo de desenvolvimento nacional com professores mais bem formados e preparados para lidar com a diversidade social de nosso país.


Referências:
GATTI, Bernardete A. Formação de professores no Brasil: características e problemas. In: Educação & Sociedade, Campinas, v. 31, n. 113, p. 1355-1379, out.-dez. 2010.

BRASIL, Lei de Diretrizes e B. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996.






O trabalho Conteúdo, prática didático-pedagógica ou o terceiro caminho na formação de professores no Brasil, de Cicinato Azevedo do Carmo, está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional.



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