As histórias
que contamos
Cicinato A do Carmo
Histórias e mais histórias! Nossa percepção da
realidade é sempre parcial e, nos pedaços dessa parcialidade, criamos sentidos aparentes
de começo, meio e fim. Já temos a (in)capacidade humana de apreender a
totalidade dos objetos muito bem expressada nos ditos populares, como em Quem conta um conto, aumenta um ponto,
ou em A grama do vizinho é sempre mais
verde, ou ainda Para quem sabe ler,
um pingo é letra. O mesmo acontece na literatura, nas expressões religiosas
ou científicas: Tais homens
não atribuirão verdade senão às sombras dos objetos fabricados (PLATÃO, A
República).
Sombras de
verdades! Histórias completas de fragmentos de realidade! O quadro O Grito, do pintor norueguês Edvard Munch (1863-1944),
por exemplo, nos leva a pensar nas histórias que há por trás das cores da tela,
da cena sombria que se descortina, dos personagens ao fundo e da figura fantasmagórica
que nos olha assustada, aterrorizada, aos gritos (?). Daí, me pergunto: Estaria
ela realmente gritando? Para quem? Por quê? De que? De quem? De mim, talvez,
que busca criar sentido num recorte de realidade, numa sombra de verdade. Mas,
não teríamos aí todos os elementos necessários de uma narrativa: personagens, espaço, tempo e foco?
Sebastian Cosor,
formado em arquitetura pela Universidade de Bucareste, Romênia, nos brinda com
a sua versão de O Grito no curta The
Scream (clique na imagem abaixo para assistir ao vídeo) e, parafraseando a palavra do velho, Sebastian twisted Munch’s words e nos trouxe uma belíssima e
aterradora história. E, assim é a capacidade da mente humana: apropriar-se de
pedaços de realidade e transformá-los em algo coerente que possamos
compreender.
Em 1944, os
psicólogos Fritz Heider e Marianne Simmel publicaram o artigo An Experimental
Study of Apparent Behavior, na
edição n. 57.2 da American Journey of Psychology.
Em seu estudo, Heider-Simmel tratam da
percepção interpessoal quando da atribuição de julgamentos sobre os outros. E
onde está a relevância de Heider-Simmel para as histórias que contamos? Bem, em
pouquíssimas palavras, nas históricas que criamos a partir de fragmentos de
realidade. Assista ao vídeo Heider and Simmel (1944)
animation, central na metodologia por eles adotada, e responda: Quais sentidos
você dá a essa narrativa?
Retornando
ao nosso ponto de partida, as histórias que contamos são sombras de verdades.
Os julgamentos que fazemos são ordenações de fragmentos de narrativas coerentemente
organizadas para que possamos compreender onde estamos no grupo social, seja
ele representado pela família, amigos, clubes, sindicatos, organizações
religiosas ou étnicas. As histórias que contamos nos fazem humanos – sombras de
realidade que experienciamos e compartilhamos ao longo da nossa história.
Referências:
FESTIVAL
SCOPE PRO. Sebastian Cosor. Disponível em: <https://pro.festivalscope.com/director/cosor-sebastian>.
Acesso em: 30 ago. 2016.
HEIDER
AND SIMMEL (1944) ANIMATION. Kenjirou. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=VTNmLt7QX8E> .
Acesso em: 30 ago. 2016.
THE
AMERICAN JOURNEY OF PSYCHOLOGY. An experimental study of apparent behaviour, n.
57, v. 2, abr. 1944. Illinois: University of Illinois Press, 1944. p.243-259.
THE
REALLY BIG QUESTION. Heider-Simmel: Is there a story? Disponível em: <http://trbq.org/play/>.
Acesso em: 30 ago. 2016.
WIKIPEDIA.
Edvard Munch. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Edvard_Munch>. Acesso
em: 30 ago. 2016.
As histórias que contamos de Cicinato
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